sexta-feira, 22 de julho de 2011

O xarope do Chacrinha


“E se até mesmo o Chacrinha – o espalhafatoso e anárquico apresentador da televisão brasileira – cobrava a censura para a música de Odair José, o que dizer daqueles segmentos pretensamente mais sofisticados da sociedade, para os quais o próprio Chacrinha e suas chacretes deviam ser banidos do vídeo? Aliás, é curioso constatar este aspecto ambíguo e paradoxal do comunicador Abelardo Barbosa, que se posicionou naquele período como mais um vigilante da moralidade e dos bons costumes. Em julho de 1973, Poe exemplo, ele implicou com a capa de um disco da Maria Bethânia, alertando que “a censura precisa tomar cuidado” porque “se as revistas de nus foram proibidas, como é que sai um LP com a Bethânia de busto todo nu? Se a coisa continuar assim, ao invés de discos dentro de LP, só teremos mulheres peladas, despidas, nuas!”.

Uma semana depois Chacrinha voltava a reclamar, dessa vez tendo como alvo a capa do LP “Índia” em que Gal Costa aparece como uma nativa vestida de tanga. E, cada vez mais tomado de um furor moralista, Chacrinha também apregoava que o conjunto Secos & Molhados, o maior sucesso daquela temporada, “deveria ser proibido pela censura e pelo Juizado de Menores” porque “é rebolativo, erótico e muito do bichânico”, especificando que “Ney Matogrosso, o líder do trio, é muito mais comprometedor, mais erótico do que qualquer travesti”.
Alguns dias depois, quando a Censura, atendendo a insistentes apelos, limitou os movimentos e requebros de Ney Matogrosso no vídeo, o Velho Guerreiro exultou: “Bem feito, pra tomar jeito!”

Trecho do bacana livro “Eu não sou cachorro não”, de Paulo César de Araújo, lançado em 2002 pela Editora Record e que eu tenho há muito tempo, mas não li inteiro ainda porque tem 466 páginas e desanimo. Mas sempre leio trechos. O livro tem muitas histórias legais da cultura brasileira entre as décadas de 1960 e 1980. E bastante referências a discos de vinil.
Esse trecho acima é do capítulo sobre a polêmica da música “Pare de tomar a pílula”, de Odair José. E mostra como o Chacrinha era um chato. Muita gente fala que ele revolucionou a televisão no Brasil, mas não passou de um xarope que incomodava muito a classe artística.

Nenhum comentário: